Sobre Relógios e Átomos – Parte 2

E chegamos ao átomo. Entre as muitas conquistas intelectuais e científicas da humanidade, acho que a teoria atômica é central, e uma das mais importantes (ao lado da Teoria da Evolução, certamente..:-). Descobrir do que é feita a matéria ao nosso redor foi um passo impressionante para o conhecimento humano, ainda mais se considerarmos a dificuldade de lidar com um microcosmo praticamente invisível, fora do alcance de nossos sentidos e da maioria de nossa tecnologia.

 

História do Átomo

O caminho até o conhecimento atual sobre o átomo é fascinante, pelo menos para mim. A história da descoberta, e domínio, do átomo e da matéria, me parece uma das maiores sagas de nossa espécie, e uma conquista intelectual sem igual. Começando com Demócrito, e sua visão espantosamente arrojada de um pedaço de matéria indivisível, até nosso atual conceito de matéria, que envolve partículas e subpartículas, caminhamos muito, e fomos muito longe, para entender melhor do que este universo é formado.

“Mas, ao se dividir o átomo de ferro final, ele deixa de existir”

A palavra átomo tem origem no grego e significa sem partes, sem divisão: a = sem, tomo = divisão, parte. Os mais velhos devem se lembrar do tempo em que os livros com mais de uma parte não tinham “volumes”, mas “tomos” (Tomo I, Tomo II, Tomo III, Tomo IV, etc). Átomo dessa forma não tem partes, não podem ser divididos.

Vivendo em Abdera, na Trácia (460 a.C. – 370 a.C), Demócrito tinha uma ideia de átomo um tanto diferente da forma como o compreendemos hoje. Seus átomos, partículas indivisíveis, em diversos formatos, vagavam pelo mundo, chocando-se e se ligando (ou desligando) em um turbilhão eterno, e as ligações formavam todos os materiais que conhecemos. Era mais filosofia natural que ciência propriamente dita.

Hoje, átomos podem ser divididos, mas quando se faz isso, eles perdem a qualidade que os identifica como elemento distinto. Podemos dividir uma barra de ferro em duas partes e depois dividir uma das partes em duas, e assim sucessivamente. Quando tivermos um “pedaço” com apenas dois átomos, ainda será o elemento ferro. Divido este pedaço, cada átomo ainda será ferro, manterá as características do elemento original, será atraído por ímãs, oxidará na presença de oxigênio, etc.

Mas, ao se dividir o átomo final de ferro, ele deixa de existir. Não é mais ferro de maneira alguma.

E como isso se relaciona com a datação radioativa? Este é o modelo de átomo que aprendemos na escola:

Infelizmente, ele é incorreto, pelo que sabemos hoje. Um modelo mais próximo seria assim:

Uma “nuvem de probabilidade” cerca o núcleo do átomo, indicando onde o elétron pode estar, mais do que órbitas como as de “satélites”. E mais, as proporções estão erradas também, pois o núcleo está muito, muito distante dos elétrons que os orbitam. Proporcionalmente, se o núcleo de um átomo de hidrogênio tivesse o tamanho de uma ervilha, seu elétron estaria à distância de um campo de futebol.

Lembremos um pouco mais do que aprendemos (ou deveríamos ter) no colegial. As partículas que compõem o núcleo do átomo são os prótons e nêutrons. Em geral, em igual quantidade. Em geral, e isso fará toda a diferença para nossa datação radioativa.

Junte um elétron a um próton e terá um átomo de Hidrogênio. Junte dois elétrons, dois prótons, dois nêutrons e terá um átomo de Hélio. Três elétrons, três prótons e três nêutrons, um átomo de Lítio. E assim por diante. Com 6 prótons e 6 nêutrons, chegamos ao átomo de Carbono.

Carbono-12. Número atômico 6, peso atômico, doze, 6 prótons e 6 nêutrons. Mas nem sempre..:-) Devido à radioatividade cósmica, o Nitrogênio atmosférico pode se transformar em um isótopo do Carbono, com dois nêutrons a mais, o Carbono 14.

 

Isótopos? Já sei, é o time de futebol de Springfield..:-)

Compreender o que é um isótopo é importante para compreender os relógios atômicos, a datação radioativa.

Alguns elementos podem ter variações no número de nêutrons, formando o que se chamam isótopos. Ainda são os mesmo elementos, ainda tem as mesmas propriedades, mas com algumas nuances interessantes. Por exemplo, existe uma molécula de Hidrogênio chamada de Deutério. Diferentemente do hidrogênio comum, o núcleo do Deutério tem um próton e um nêutron. Este isótopo de Hidrogênio é usado para fazer “água pesada”, utilizada nos processos de fusão nuclear (como bombas de hidrogênio).

O Carbono-14 é um dos 3 isótopos do elemento carbono. O isótopo Carbono-12 é estável, o que significa que ele não muda, não ganha ou perde partículas, com o passar do tempo. Já o Carbono-13 também é estável, mas muito raro, menos de 1,1% de todo carbono existente. Mas o Carbono-14 é o mais interessante, especialmente para a datação radioativa.

O que significa ser “instável”, para um isótopo? Significa que ele “muda” com o tempo, decaindo para outras formas, ou para outros elementos. Por exemplo, o Sódio-24. Com o tempo ele se transforma em Magnésio-24. E, muito importante, isso acontece dentro de um padrão conhecido de tempo, e de forma detectável.

E como o Carbono-14 permite datar um fóssil, ou artefato?

A maior parte do carbono na Terra é o isótopo estável, não radioativo, Carbono-12. Apenas um átomo de Carbono, a cada trilhão, é o isótopo Carbono-14. Este carbono é formado pelo bombardeamento de raios cósmicos, que atingem os átomos de nitrogênio na atmosfera superior. O átomo de nitrogênio tem número atômico de 14, igual ao do isótopo Carbono-14. A diferença é que o Carbono-14 tem seis prótons e oito nêutrons, enquanto o Nitrogênio tem sete prótons e sete nêutrons.

Partículas de raios cósmicos podem atingir um único próton em um núcleo de nitrogênio, e converter este próton em nêutron. Isso transforma o átomo de Nitrogênio em Carbono-14 (ah, se os alquimistas soubessem disso, que a transformação da matéria ocorre todo o tempo na alta atmosfera..:-).

Agora a parte que liga a física, e a química, a biologia. Todo ser vivo absorve, juntamente com o Carbono-12, um pouco de Carbono-14, em uma taxa determinada e determinável. A proporção de Carbono-12 e Carbono-14 em todo ser vivo, é conhecida, e pode ser medida, mensurada.

A partir dos anos 1940, novas técnicas permitiram que se medisse a taxa de cada isótopo em materiais orgânicos. Mas como isso permite saber a data desse material?

Enquanto está vivo, um ser continua repondo o carbono em seu organismo. Mas ao morrer, para de respirar, de se alimentar, de repor o carbono, e a proporção entre os isótopos começa a mudar.

Isso porque o Carbono-14 vai se transformando em nitrogênio-14, de acordo com uma taxa previsível. É o que se chama de “meia-vida”. Metade de todo carbono-14 em uma amostra decai para nitrogênio-14 a cada 5730 anos.

“Este método foi utilizado com o material do Santo Sudário”

Um exemplo prático. Suponha que tenhamos duas amostras de material orgânico, e queremos saber em que data este material esteve “vivo”, ou seja, absorvendo Carbono do meio ambiente. Para isso, medimos a proporção de Carbono-12 em relação à de Carbono-14.

A primeira amostra apresenta a proporção de 1,1% de Carbono-14 para cada parte de Carbono-12. Ou seja, é um material recente, que até pouco tempo estava repondo Carbono-14 a partir da atmosfera e dos alimentos.

A outra amostra apresenta a quantidade de 0,6% de Carbono-14 para cada parte de Carbono-12. Isso significa que o portador deste material parou de repor Carbono há 5730 anos. Este método foi utilizado com o material do Santo Sudário, e acabou por determinar que ele tinha sido criado por volta do ano 1100 depois de Cristo.

O que sobrou de Carbono-14 na amostra vai, claro, continuar a decair, e alguns milhares de anos no futuro, podemos medir novamente, e fazer nova datação, com precisão.

“Existem muito relógios radioativos, com diferentes meias-vidas”

Esta é uma explicação simplificada. O processo é um tanto mais complexo, pois a ciência não aceita nada sem muita validação, calibração, verificação. Rigor e cuidado, sempre. Os métodos de datação por carbono tem sido calibrados por diversos outros meios de datação, de forma que a confiabilidade da técnica seja altíssima.

Com a meia vida do Carbono-14 temos uma forma de datação que vai até 60 mil anos, aproximadamente.

Mas o Carbono-14 não é o único elemento que permite datação radioativa. Na verdade, existem muito relógios radioativos, com diferentes meias-vidas, e diferentes capacidades de datação. E o que é mais importante, cada um ajuda a calibrar os outros, de forma que a confiabilidade final é muito grande (além da calibração por diferentes métodos de datação não radioativos, como a dendrocronologia).

Estes são alguns dos elementos que permitem a datação radioativa, e suas meia-vidas:

Isótopo instável Decai para Meia vida (em anos)
Rubídio-87 Estrôncio 49 000 000 000
Rênio-187 Ósmio-187 41 600 000 000
Tório-232 Chumbo-208 14 000 000 000
Urânio-238 Chumbo-206 4 500 000 000
Potássio-40 Argônio-40 1 260 000 000
Urânio-235 Chumbo-207 704 000 000
Samário-147 Neomídio-143 108 000 000
Iodo-129 Xenônio-129 17 000 000
Alumínio-26 Magnésio-26 740 000
Carbono-14 Nitrogênio-14 5 730

As formas de datação a partir destes isótopos são diferente do Carbono-14. Estes elementos não estão presentes em materiais orgânicos, mas em depósitos, rochas, etc. Quando uma rocha se forma, estes isótopos se cristalizam e o relógio é “zerado”, podendo ser medido por diferentes técnicas de datação, em laboratórios e dentro do rigor do método científico.

São, dessa forma, bastante confiáveis e precisos, dentro das margens de erro previstas (em geral, 10% da meia vida é uma margem de erro aceitável para estes relógios).

As leis da física, do átomo, o conhecimento acumulado na teoria atômica, permitem estas formas de datação, mas não apenas isso. A teoria atômica também é responsável por boa parte da tecnologia que temos a nosso dispor hoje, nos computadores, usinas atômicas, aparelhos de ressonância, terapias contra câncer, etc, etc. Recusar a datação radioativa, significa recusar todos estes desdobramentos e decorrências da teoria atômica.

Mesmo assim, mesmo com todos estes diferentes e diversos relógios, atômicos, anéis de árvores, rochas, sedimentos, documentos, ainda assim descrentes da evolução insistem que “ela não é confiável, não temos como saber quando as espécies surgiram, como se separaram, nada”.

Seria bom se tivéssemos mais um relógio, um totalmente biológico, preciso, definitivo, impactante, para mostrar toda a árvore da vida, todas as ramificações, que pudesse calibrar os outros relógios (de novo) e dar mais segurança a nosso conhecimento da evolução.

Bem, este sistema existe, são os relógios moleculares, genéticos!

Mas isso fica para a última parte, ou ninguém aguentaria ler tudo isso de uma vez..:-)

 

Para saber mais

Demócrito

Atomismo

Deutério

Isótopos

Datação Radioativa

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