Sexo! Ok, agora que tenho sua atenção…

Na atualidade um debate intenso, polêmico, conflituoso e emocional vem sendo travado sobre este termo, sexo e gênero, opção sexual, orientação sexual, etc, que se desdobra em direitos, discriminação, alcance, preconceito entre outros.

Um debate importante e necessário mas que tende recorrentemente a acusações violentas (quando não violência real) e extremismos. E acho que um dos motivos centrais é justamente ser feito de forma emocional, com boas, ótimas intenções (tem um lugar cheio delas) e pouca racionalidade e precisão.

Quase todo debate que leio, especialmente em redes sociais mas também em artigos de análise e até acadêmicos, os debatedores estão usando os termos de forma vaga, imprecisa, elusiva, lato e stricto senso, e para quem lê de fora, falando cada um de uma coisa diferente.

Isso ocorre em muitas áreas, como na física, em que leigos usam termos como “energia”, “vácuo”, “do nada” de forma imprecisa e vaga, enquanto debatem com físicos que usam de forma estrita e bem definida.

Uma forma de melhorar o debate sobre qualquer coisa é fazer com que todos os envolvidos entendam os termos e concordem em usar a mesma definição e alcance dos mesmos. Ou que entendam estar usando de forma diferente, e parem o debate por ser improdutivo e não levar a lugar algum.

Vamos ao que interessa, sexo!

Calma, primeiro, o que quero dizer com sexo? Não é o ato de fazer sexo, a cópula. Nem o conceito lúdico, ter prazer. É o biológico, evolutivo, um mecanismo reprodutivo que surgiu a aproximadamente 2 BILHÕES de anos no período Cambriano. E surgiu mais de uma vez, porque é um processo com várias vantagens em relação a reprodução assexuada.

É tão interessante e complexa a história desse surgimento que não seria possível explicar tudo, mas vou colocar links no final para quem quiser saber mais. De modo simplificado, os motivos foram estes:

Hipótese Rainha Vermelha
Hipótese do Reparo
Diversidade Genética

A Rainha Vermelha é a corrida armamentista de parasitas/doenças/predadores entre estes e suas vítimas. A pressão evolutiva leva ambos a evoluírem na mesma direção, sempre aprimorando defesa e ataque, e sempre no mesmo lugar. A mistura de genes melhora a capacidade de resistir a um parasita que se adaptou a espécie.

O Reparo, como o nome sugere, a eliminar falhas e defeitos que, na reprodução assexuada, poderiam se torna o padrão da espécie e leva-la a extinção.

A diversidade, que não é uma hipótese e tem evidências sólidas, amplia a capacidade de se adaptar a mudanças futuras, de ambiente, clima, predadores, migração, fenômenos geológicos etc.

Basicamente, eu te dou metade de meu DNA, você fornece a outra metade, e nosso descendente, em vez de uma cópia de nós, será um indivíduo novo, com novo DNA e possivelmente novas pequenas mudanças. Algumas positivas, algumas negativas, a maioria inócua.

A anisogamia.

Muita calma nessa hora, não é palavrão nem ofensa, é característica dos eucariotos
multicelulares, o dimorfismo de gametas, uma diferença de estrutura e tamanho entre óvulo e espermatozoide.

Isso é importante para entender que quando um cientista ou especialista diz que “sexo é binário” é DESSE conceito/definição, precisa e estrita, de sexo e desse, concreto e factual, dimorfismo de gametas.

Cada indivíduo da espécie humana, e na verdade da absoluta maioria das espécies de reprodução sexuada, tem esse dimorfismo.

E como isso surgiu? Algas azuis parecem ter alguma forma de reprodução sexuada que envolve troca de material genético de formato idêntico, mas o padrão (padrão, termo preciso e restrito que indica o modo mais comum dentro de um universo de eventos ou características) é a anisogamia, dois gametas diferentes.

Há várias hipóteses para esse surgimento (link no final para mais informação), mas um motivo básico é, a vida é dura, sobreviver é difícil, gerar um gameta para troca de DNA menor, mais móvel, aumenta as chances de encontrar o outro par e gerar descendentes. Entretanto é preciso garantir as condições de viabilidade do zigoto, e com isso é preciso encontrar outro gameta com mais recursos, maior, menos móvel.

No início, portanto, não haviam dois sexos, cada indivíduo fornecia para qualquer outro indivíduo seus gametas. Mas com a pressão evolutiva, os que produziam gametas em maior número, com menos recurso, mais ágeis e móveis, precisavam fornecer para os que os que, acidentalmente, produziam gametas maiores com mais recursos.

Modelos de computador sugerem que essa mudança é rápida, com poucas gerações criando “especialistas” em cada tipo de gameta.

Para nomear essa condição usamos o termo macho e fêmea. Mais uma vez, sentido restrito, preciso, não popular (macho machão e fêmea submissa etc). O Leão é o macho da espécie, a Leoa a fêmea. Alguns animais não tem nome específico e usamos Hiena macho e Hiena fêmea.

O macho produz espermatozoides, a fêmea óvulos, mobilidade versus material de apoio ao desenvolvimento. Um modo tão disseminado de produzir descendentes que temos tb Mamão macho e Mamão fêmea.

Homem, Mulher

“Ah, então está me dizendo que este homem lindo, musculoso, barbado, sem seios, é uma mulher só porque tem útero? E esta mulher, linda, com seios, sem barba, é um homem só por ter? Hein, hein, hein?”

Não, não estou. Porque não se trata de Homem, o termo que usamos para o macho da espécie humana, ou de Mulher, o termo que usamos para a fêmea da espécie humana.

Homem e Mulher são termos que tem origem diversa, sentidos diversos, alguns mais ou menos vagos e com alcances diferentes. Origem biológica mas também cultural, histórica, uso e tradição etc. Pode perfeitamente abranger um indivíduo em uma época que tem útero mas se identifica, mentalmente e psicologicamente, como Mulher. Não há problema nisso.

Bem, há alguns. Este indivíduo, Homem, ainda terá doenças e condições típicas de fêmea (mais uma vez, APENAS no sentido restrito e preciso do termo, o indivíduo que gera gametas sem mobilidade, não o uso popular e um tanto ofensivo no Brasil), como miomas de útero, se ainda o mantiver.

Esse é um dos pontos em que a discussão “para” e desanda para ofensas e xingamentos, quando “o outro lado é um idiota e não entende isso, como pode?”.

Gêneros: o gafo macho e a colher fêmea.

O que piora o entendimento dessa questão, que deveria ser debatida racionalmente, dentro do alcance biológico científico, e também emocionalmente dentro de limites no aspecto social e cultural, é que tem mais elementos vagos e elusivos entrando no debate, como gênero. Um construto humano inexistente fora de nossa mente e cultura humana.

Ao criarmos idiomas adotamos elementos naturais e outros construtos, subjetivos. Alguns idiomas adotaram “gêneros” para objetos e coisas concretas, outros não, outros ainda uma mistura aleatória, derivada de elementos como tradição, visão de mundo e até religião.

O idioma português tem gênero para palavras, por isso temos o garfo e a faca. Ninguém, entretanto, pensa que o garfo é mesmo um macho, ou a colher fêmea. Mesmo assim, se um desenho infantil apresentar uma faca antropomórfica vestida de mulher causará estranheza em alguns.

E mais, orientação sexual, escolha sexual, desejo sexual, e a enormidade de variações dos seres humanos insere complexidades adicionais, que tornam todo discurso um potencial motivo de confusão e brigas.

Mas em nenhum caso os fatos da biologia implicam em julgamento de valor, apoio a discriminação ou violação de direitos. Apenas no reconhecimento de fatos concretos e o tratamento adequado e racional a estes. Sugerir que uma mulher trans deva cuidar de sua saúde de forma um pouco diferente de uma mulher não trans não é transfobia, mas um fato concreto. Ignorar isso, perigoso para ela.

Ao mesmo tempo, uma mulher trans tem todo direito de qualquer pessoa e de qualquer mulher, direitos universais, proteção legal, apoio e acesso a serviços públicos, e a ser chamada como desejar, ela, senhora, mulher, moça etc. Ter gametas masculinos não muda isso.

E os esportes?

Essa é questão espinhosa, mais pelo aspecto, de novo, emocional, do que racional. Praticar esportes é um direito, é saudável, é positivo e não importa sexo, gênero, identidade sexual ou qualquer coisa. Mas, sempre tem um mas, não é um direito praticar de qualquer forma ou competição.

E vai ficar para outro texto, este já esta longo, e minha visão dessa questão me faria ser cancelado logo no início do ano.

Homero Ottoni


Textos complementares

Origem e função do sexo
http://ole.uff.br/wp-content/uploads/sites/330/2019/01/origem-e-fun%C3%A7%C3%A3o-do-sexo.pdf

Hipótese da Rainha Vermelha

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rainha_Vermelha_(biologia)

Origens do(s) sexo(s) e a rainha dos problemas da biologia evolutiva

https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiS9dXP74-EAxX-pZUCHaPfD_kQFnoECA0QAw&url=https%3A%2F%2Fojs.uel.br%2Frevistas%2Fuel%2Findex.php%2Fseminabio%2Farticle%2Fdownload%2F34061%2F24767%2F168289%23%3A~%3Atext%3DA%2520mais%2520importante%2520e%2520conhecida%2Cde%2520dois%2520bilh%25C3%25B5es%2520de%2520anos.&usg=AOvVaw180DLWP5oOV_S3lBWS1xIh&opi=89978449

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