Uma opinião pessoal sobre a URSS

Um resumo um tanto simplificado da trajetória da URSS e a guerra fria, não exatamente o que estudei em história, não apenas, mas o que vivi nos anos 60 e 70 e até hoje.

O mundo parecia que ia acabar logo e toda semana tinha um motivo novo para uma guerra nuclear. O Relógio do Fim do Mundo estava sempre a segundos das 24 horas (o fim do mundo), misseis em Cuba, um navio americano no golfo, uma declaração de um lado ou de outro mais torta, uma ameaça velada.

Uma vez o mundo não acabou porque o responsável pelo radar russo resolveu ser exageradamente cuidadoso (e provavelmente não queria ser conhecido como a pessoa que deu início ao fim do mundo) e não tomou as medidas de retaliação definidas para aquele tipo de sinal de radar que estava vendo.

Stanislav Petrov, o homem que salvou o mundo

É preciso explicar que a paranoia não era exatamente paranoia, e os dois lados passavam o tempo todo estudando uma forma de destruir o outro lado, por precaução, de forma que este não conseguisse reagir a tempo. Nenhum dos dois conseguiu resolver esse problema, mas por via das dúvidas um sinal de míssil no ar em direção a um dos dois lados dispararia uma chuva de “nukes” imediata e total, e a MAD, Mutual Assured Destruction, mantinha todo mundo calmo. Bem, não calmo, angustiado e apavorado, mas com os dedos fora dos gatilhos, ou botões vermelhos.

O rapaz no radar russo detectou um sinal desses e deveria ter iniciado imediatamente contra medidas, destruição total do inimigo. Ele não fez isso, e no final era falha no sistema e não misseis americanos.

O Dia Seguinte

Toda semana, por décadas, passamos por isso, a sempre presente ameaça de fim do mundo. Um filme da época, entre muitos com este tema, mostra bem o terror e a sensação de impotência das pessoas: O Dia Seguinte . O custo econômico era cada vez mais pesado, para os dois lados, mas provavelmente mais para a URSS. É difícil de saber com certeza, não era mais transparente do que é hoje, mas o desabastecimento, filas, e dificuldades eram visíveis por rachaduras, como a fuga de cientistas, professores, engenheiros, atletas e qualquer pessoa que pudesse vir ao ocidente e ficar, sem colocar em risco os parentes que ficaram.

Existem muitas análises, de estudiosos fora e dentro da URSS, sobre como e porque o império colapsou. Muitas discordantes entre si, dependendo da ideologia do autor. Mas poucas discordam que foi algo interno, de dentro para fora. Cansaço. A URSS era uma potência mas a custa de exploração de “países irmãos”, gastos enormes para se manter no mesmo patamar que os USA (especialmente em armamentos) e sofrimento da população. Apenas o “orgulho da mãe Rússia” não era suficiente para manter isso.

De novo, esta é minha visão do que vi e passei, não sou estudioso da Rússia ou de política geoeconômica. Li bastante, diferentes visões, vivi bastante, mas a questão é complexa o suficiente para ter visto apenas parte dos dados e eventos relacionados. Mas isso é suficiente para linhas gerais principais.

Em 1989 a coisa devia estar muito difícil dentro da URSS, e as dificuldades diminuíram o controle central. O muro de Berlin caiu. Foi uma surpresa, justamente porque era difícil ter informações confiáveis de dentro, mas caiu. E caiu fácil, sem tiros, sem resistência. É como se um dia as pessoas acordassem saíssem nas ruas e dissessem, chega, né? E todo mundo, soldados alemães, soldados russos, oficiais, generais, padeiros, o caixa do banco, todo mundo respondesse, é, deu, já chega.

O muro caiu, negociações para unificar a Alemanha se iniciaram, e tudo bem. Em pouco menos de 1 ano a Alemanha era uma só novamente. Mas isso mostrou que era possível deixar a “mãe Rússia”. E a coisa degringolou.

Um ano depois, em dezembro de 1991, o colapso forçou a dissolução da União Soviética. De dentro para fora, sem que o “malvado ocidente” fizesse, ou precisasse fazer, qualquer coisa. Uma surpresa inclusive.

Mas foi mesmo uma surpresa? Foi. Todo mundo foi pego de calças curtas, e sem saber direito como proceder. Havia quem achasse que era uma estratégia, um truque, para desarmar o ocidente e dar um golpe logo mais, com invasões. Havia que achasse que era uma forma de obter simpatia e conseguir novos adeptos para o lado Russo. Foi engraçado, apesar de assustador. Era uma nova era e ninguém sabia direito para onde as coisas caminhariam.

Um dos elementos centrais do processo de colapso foi a Perestroika. Uma abertura gradual sob o comando de Gorbatchov, que tentava ajustar a URSS aos tempos modernos, economia moderna, e aliviar um pouco as dificuldades da população. O problema é que uma vez aberto, uma gradual abertura, e pressão de décadas causou uma enxurrada irresistível.

Mikhail Gorbatchov 

Depois da WWII a Rússia, quer dizer, a URSS cresceu economicamente em grande velocidade. A exploração de países satélites, ops, países irmãos, ajudou, e Nikita achava que por volta de 1970 a URSS teria ultrapassado os USA e “derrotado o capitalismo”. Uma previsão um tanto otimista, e na verdade no início dos anos 80 as coisas estavam feias para a URSS. Muito feias.

A queda do muro e a perda da Alemanha Oriental foram demais para a linha dura do Partido Comunista, que deu um golpe de estado e derrubou Gorbachev. Não foi uma boa ideia, a reação foi enorme, incontrolável. De dentro para fora, e de novo, sem nada que o “malvado ocidente” tivesse sequer esperado.

Em 3 dias, com a liderança de Boris Ieltsin (espantoso ele ter ficado sóbrio por tanto tempo) Gorbachov volta ao poder. Era o fim real da URSS.

As repúblicas do Baltico, mais de uma vez reprimidas pela força em tentativas de sair do bloco, abandonaram imediatamente a URSS. E sob o comando de Gorbachov, a Rússia foi a primeira a reconhecer a independências destas repúblicas.

Aparentemente, a liga, frágil, do bloco foram minadas por décadas de exploração e abuso por parte da “mãe Rússia”. Por toda parte movimentos separatistas surgiram, e mesmo as que tinham laços com a Rússia mais forte (em geral com governos títeres que tinham vantagens na ligação) acabaram deixando o bloco.

Claro que houve negociações, complexas, e tratados e concessões. Não entrar para a OTAN por exemplo, ao deixar o bloco, manter relações econômicas, permitir passagem de tubulações de óleo etc (Gorbachov tentou propor um Tratado da União, não deu certo). Mas no final saiu todo mundo.

O povo russo de modo geral não achou ruim, fora ultra-nacionalistas com saudade dos “bons e velhos tempos”, e aceitaram bem a saída. Parecia que as coisas tinham se resolvido e tivemos anos mais tranquilos, destruição de armas atômicas pelo mundo todo, menor risco de guerra nuclear, e relacionamento amistoso entre os dois lados ideológicos (ou quase).

Até que um grupo ultra-nacionalista chegou ao poder novamente. E manobrou para se eternizar no poder, modificar o sistema de eleição, e criar uma ditadura de ferro novamente. Putin.

Putin tem um sonho, e este sonho é a nova URSS. Devido a esse sonho, claro, declarado, sempre presente em tudo que ele faz, os antigos aliados da mãe Rússia tem medo. Esse medo tem feito com que alguns tenham tentado se aproximar do ocidente, e da OTAN, para impedir que Putin prossiga em seus planos de império. Não deu tempo para a Criméia, anexada (sob forte protesto do mundo todo) em 2014, com a mesma ameaça de guerra nuclear de hoje. E os vizinhos entenderam que seria uma questão de tempo.

Crimeia, no momento anexada a mãe Rússia.

A Finlândia é um dos alvos principais da Rússia. E a que mais tem medo de invasão. Tropas finlandesas foram enviadas as fronteiras, “preventivamente”. Claro, Putin garante que não tem nenhuma intenção de invadir, já tinha dito isso quando tomou a Criméia, que seria só a Criméia e, bem a Ucrânia é outra coisa e tudo mais.

Um senhor com um bigodinho esquisito também garantiu que depois de invadir a Polônia sossegaria e não invadiria mais nenhum país.

Parte do problema é que Putin não tem escolhas. Ou expande, a força, ou encolhe. Não há estabilidade permanente no mundo, países e sociedades crescem e diminuem, nunca ficam onde estão para sempre. Se ele não ganhar força, então perde força, e pode ser substituído por quem queira o cargo dele. São poucos no momento, seus opositores tem o desagradável hábito de morrer envenenados, mas sempre pode surgir um mais resistente.

Eu vi tudo isso, passei por todos estes altos e baixos, e por um tempo fiquei feliz por termos, aparentemente, superado o risco nuclear, a guerra de conquista de território, a ameaça de usar armas atômicas como chantagem, a violência desmedida, a invasão de vizinhos etc. Ter tudo isso de volta, em meio a uma pandemia mortal em que as pessoas recusam a ciência para adotar o charlatanismo, é um tanto assustador. E mais ainda quando se vê pessoas, a direita e a esquerda, defendendo ambas, charlatanismo contra doenças mortais, e ditaduras expansionistas e violentas.

É um recuo triste e espantoso no processo civilizatório.

Adendo: nada do descrito aqui implica em que “o outro lado” é bonzinho, perfeito, maravilhoso etc. Críticas e correções são bem-vindas, mas falácias diversas como “tu quoque”, “ad hominem” e acusações sem base (seu comprado pelo imperialismo americano) serão solenemente ignoradas (e apagadas).

MAD – Mutual Assured Destruction
https://en.wikipedia.org/wiki/Mutual_assured_destruction

Stanislav Petrov – O Homem que Salvou o Mundo
https://en.wikipedia.org/wiki/Stanislav_Petrov

O Dia Seguinte

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Day_After

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